2006/12/15

Encaixotava a cara, o bar ia fechando.
As luzes caíam muito sem-vergonha,
sombreando os vultos. Os cacos quebrados pelo
chão se abriam, as mesas caminhavam debaixo dos guardanapos que morriam - voavam os copos em volta do
ventilador.O bar fechava.
De vez em quando um homem muito
antigo conseguia um lugar para sentar,
se embebedar nesses olhos...
E no dia seguinte era a sede,
empoeirada e amarrada debaixo de cinco mil sóis.
Sede a ponto de ver o próprio corpo virando
água salgada.
Porre de mágoa.

Carolzita

2006/12/08

Don´t cry ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai. Ai ai ai ai ai! Broken hearts for you and me...


Há sete anos uma amiga morreu. Acidente de moto, corpo irreconhecível, sem família, sem velório, sem missa. Hoje já estou mais velha do que ela naquele dia, com seus 25 anos.
Passei dois meses da minha vida anestesiada pela sua morte. Talvez nunca tenha usado tanta droga como naquele tempo, não importava o lugar. Só a anestesia. Quando voltei ao "normal" sentia só aquela confirmação do que é inevitável. Todo mundo morre, o que muda é o jeito e o nosso envolvimento com a situação. Sentia muita raiva, raiva de precisar gritar. Sentia raiva de quem parecia não se importar, de quem parecia não sofrer e de quem pedia para eu tirar a fita do TRIO porque estávamos de luto. “Podíamos colocar um sonzinho mais tranqüilo, né?” Não. Eu estava punk e viciada no som que ela tinha me mostrado, que ouvia na sua fase skatista em Porto Alegre.
A mina fazia muitas coisas bem, desenhava, fotografava, tocava qualquer instrumento musical, ouvia um pouquinho e já reproduzia... podia ser flauta, violão, ocarina... era foda. Trabalhava em qualquer trampo, desde que pagasse suas baladinhas e suas droguitchas. Tinha talentos que todo mundo via, mas ela só achava natural. Não queria saber de fazer faculdade como todo mundo fazia, era como se ela não precisasse. E não precisava mesmo. Enquanto estávamos envolvidas com nosso “dramático” fim de semestre e em nossas crises existenciais do tipo “não agüento mais essa faculdade”, ela chegava cansada do trampo no shopping, dava uma reclamada e depois já arrumava uma baladinha. Sempre tinha um gatinho na parada, sempre estava a fim de fazer alguma coisa. Morreu cedo e não perdeu tempo nenhum fazendo planos para o futuro. Viveu muito, foi alegre, intensa, dava muita risada e fumava muita maconha. Era legal nossa vida juntas.
Hoje acordei e resolvi colocar meu disco do TRIO, fiquei ouvindo, cantei todas as músicas, até dancei... Depois fiquei conversando e rindo sobre como ela inventava as traduções onomatopéicas das letras em alemão. “Numa próxima vez, você morre de vez! Você tem que entender que str hus afta...”. Aí, “que dia é hoje?” “8 de dezembro”. “Foi nesse dia que ela morreu..."
Fazia anos que não chorava por ela, mas hoje chorei. Acendi uma vela como nunca faço e pensei nessa coisa toda que envolve a morte. Não me lembro de ter me lembrado dela assim nos últimos tempos, muito menos de ter sofrido por ela. Mas hoje veio tudo.
(aline)