2006/07/23

Nosotras todas

2006/07/11

“ -Tenho saudades de minha casa, lá na Itália.
- Também eu gostava de ter um lugarzinho meu, onde pudesse chegar e me aconchegar.
- Não tem, Ana?
- Não tenho? Não temos, todas nós, as mulheres.
- Como não?
- Vocês, homens, vêm para casa. Nós somos a casa.”
Mia Couto “o último vôo do flamingo”

Sábado modorrento… cabeça doendo e vida passando, só passando. Da uma rodopiada pela sala. Acha de verdade que vai morrer, dessa vez tinha superado qualquer tipo de tolerância quanto a vaga idéia do que é beber demais. Tinha bebido demais, ponto. Tava na cara, no gosto na boca, na sede de condenada a inanição no deserto. Mas hoje não trazia o sorriso de noite mal dormida. Trazia a ressaca da angústia. De quem dormiu brigada com o mundo e acordou com vontade de dar mais uma cochilada de dois meses.
A noite? Estranha. Estranha a tudo, sofrendo por se sentir incapaz de conversar com qualquer pessoa sem se aborrecer muito. Quando bêbada, acaba também a vontade de se esforçar. Sentindo-se inconveniente. Mal estar com ela e com o mundo. Vontade de não existir. Vontade de ir embora. Ir.
Não se despediu de ninguém e sofre depois de meia quadra. Mas não consegue voltar, não conseguia conversar, queria andar por ai meio bêbada para ver se a idéia clareia, se começa doer a perna ao invés do coração. Tentando entender algumas coisas e esquecer outras, meio estúpida desembestada pela rua deserta da noite adiantada. Sem se dar muito conta, foi drenada para um outro patamar de respeito à figura humana. E assim foi tratada por todo o percurso, como devia merecer já que cambaleava de madruga pela rua. Merecia o desprezo e as chateações.
Começou a avacalhar também. Defesa. Aos idiotas que passavam ao seu lado, devagar, lhe oferecendo carona, mandava um cotoco e ria, completando com um idiota, ou um vai tomar no cú professado com a satisfação de quem transborda.
Passada a euforia do último carro ofendido, parou em um boteco acender o cigarro. Do outro lado, no balcão, uma mulher grande, forte, negra, robusta mesmo, esbravejava batendo os punhos de um jeito também meio cambaleante, gritando para um sujeito que dava risada diante do bar todo. O bar todo que também apenas ria num coro violento de puro escárnio.
_ Não fica me olhando como se eu fosse sua, não me olha como se eu fosse uma das tuas negas. Eu te parto a cara. Não me olha assim, porque já disse que não sou tua mulher, que não sou uma das tuas negas.
Mais risadas no bar. Saiu e agora já não era capaz de reagir a nada. Queria só sentar e chorar, se lavar, lavar o desespero de todas, de todas nós. Mas agora, não mais se sentia forte. Não se sentia nada. Só sozinha.
Casa, vontade de correr, vontade de quebrar alguma coisa. De dormir por dois meses.
Cathola