2006/03/28

A sexualidade da mulher negra

Ana Maria Rodrigues Ribeiro
12/7/91

Há muito tempo atrás tornou-se familiar o termo "mulata-tipo-exportação". O que isto significava? A escolha de uma mulher negra, bem próxima do elemento branco, fenotípicamente falando que, por seus atributos de beleza física era explorada por grupos e/ou empresários das noites brasileiras para servir aos apetites sexuais de homens oriundos do segmento branco populacional, notadamente turistas estrangeiros. Este termo também indicava que um "mercado" no exterior de escravas (paradoxalmente chamada de escravidão branca), estava aberto às mulheres negras.
No cerne deste fato existe a coexistência de um estereotipo sexual ligado as mulheres negras com cor de pele mais clara, denominada pelos brancos de MULATAS e, ingenuamente repetido por elas mesmas, sem atentarem à origem ofensiva do termo: mulata vem de MULA.
Tal estereotipo remete a uma imagem usada para justificar e realimentar o desejo manifesto dos homens brancos em relação às mulheres negras. Imagem que as caracteriza como mais sensuais, afetivas e libidinosas, notadamente nos jogos sexuais, sem deixar de conter um certo grau de amoralidade e, algumas vezes, de imoralidade também. Nas piadas sujas do homem branco, a mulher negra aparece como aquela que é mais "quente" e que facilmente premia com seus atributos de beleza e dotes físicos a realização de desejos inconfessáveis daquele.
O homem negro também é afetado por tal estereotipo, sendo considerado por homens e mulheres brancos como mais bem dotado em relação ao seu órgão sexual, sua força e paixão.
No meu trabalho de doutorado, defendido recentemente na Usp em São Paulo, pesquisei a questão da mulher negra no século XIX, no Rio de Janeiro, na tentativa de compreender sua situação naquele momento de estruturação da sociedade brasileira. Numa hora em que os valores e diferentes visões de mundo são realinhadas na sociedade, como fica o grupo negro nesta questão, a família negra, por exemplo?

É sabido que o grupo negro chega ao Brasil para servir de mão-de-obra explorada e, para tanto é caçado incansavelmente nas savanas e florestas africanas, Num determinado momento, o som dos tambores das aldeias misturou-se com os gritos e lamentos daqueles que eram arrancados de seu ambiente ou que tinham extirpado de junto de si algum ente querido: mãe, filho ou companheiro. O choro do povo negro vindo da floresta continuava pelo Atlântico até as terras do Novo Continente.
A situação dos tumbeiros, continuando a condição de indignidade, assemelhava-se a uma seleção: somente os muito fortes e resistentes sobreviviam à travessia pelo mar.
Entretanto o ser humano possui uma infinita capacidade de adaptação e o grupo negro mostrou que, mesmo vivendo sob condições desumanas e extremamente cruéis, poderia resistir nesta nova terra chamada Brasil.
Este resistir envolve muitos aspectos, examinemos alguns mais de perto.
Para falar da sexualidade da mulher negra é necessário que, inicialmente, se entenda o tipo de consciência que se tem do corpo, isto é, o tratamento psíquico-cultural que é dado ao corpo em determinadas etnias.

A chamada civilização ocidental cristã, composta basicamente por povos brancos, tem em relação ao corpo, principalmente o da mulher, idéias que vão do sujo ao maligno, ligando o corpo a história dos mais horrendos pecados. E isto não é surpreendente se considerarmos que as principais religiões desenvolvidas no âmago desta civilização, consideram pecaminoso o ato que, na verdade, é a expressão mais completa de carinho e amor, responsável pela continuidade da vida humana, o ato sexual. Assim como envolvem o surgimento de uma nova vida em véus de pecado e ignobilidade. Tanto que a representação humana de seu Deus, Jesus Cristo, teve que nascer de uma mulher virgem e, seu parto ocorreu quase como uma aparição mágica.

Também algumas civilizações orientais, na tentativa de adaptar o corpo da mulher aos seus poderes e submissão, mutilam-nos e os deformam.
O povo negro não.
De uma forma que muito nos agrada, tratamos nosso corpo como o melhor lugar que temos para morar, sem muitos falsos moralismos e inadequações de coberturas.
A compreensão que a mulher negra tem de seu corpo era e ainda é, mais liberta e tranqüila que outras etnias. Prova a pouca cobertura, os enfeites e balangandãs, a alegria dos motivos dos tecidos, a maior liberdade de se aceitar a nível físico-corporal. Prova o andar diferente, mais solto, em comunhão com o eixo que a liga à Terra em sua relação com a gravidade. A ausência de rigidez no andar faz aparecer um molejo diferente, que lembra um pouco o andar sobre seixos rolados dos leitos dos rios ressecados africanos.
No Brasil, até quase o final do século XIX, as mulheres negras eram vistas nas ruas ou em seus trabalhos, com pouca cobertura. Apenas de saiote, seios à mostra, enquanto lavavam roupa nos riachos da cidade ou carregando seus balaios e crianças. Para horror e escândalo dos cristãos e seus sacerdotes.
Em relação ao afeto e carinho, atendem melhor aos apelos de suas emoções, tratam seus filhos com uma intuição que mais se assemelha ao atendimento de necessidades básicas de seres humanos do que a reprodução de preceitos morais ou valores sociais.
Cabe aqui ressaltar que quando falamos no não atendimento a valores sociais não estamos sugerindo um estado de ANOMIA. Somos frontalmente contra tal conclusão. Nossa reflexão acompanha a constatação que a sociedade brasileira com seus valores não é uma sociedade negra, nem afeita ou respeitosa a tal grupo. É uma sociedade branca e, como tal, tem uma ideologia branca que se caracteriza, entre outras em discriminar e maltratar o povo negro. Ora, não atender a valores de tal sociedade, deve ser a meta da população negra.
Além disso, verificamos que a resistência do povo negro inclui também manter alguns de seus costumes e valores oriundos da África.
Sendo assim, as diferenças nas questões ligadas às relações de mulheres e homens com a natureza e de mulheres e homens entre si foram mantidas e até hoje podem ser verificadas.
Na família negra, por exemplo, a estrutura é notadamente com o eixo no elemento feminino. Gerações de “mães-solteiras” – termo ideologicamente branco, como se, para se ser mãe, fosse necessário estar casado – com o núcleo masculino visitando o núcleo familiar esporadicamente. Isto, evidentemente, dará um enfoque diferente em relação à fidelidade, duração da relação, vínculo, tratamento das crianças, etc. Também a socialização de meninas e meninos se fará sem a extrema carga de pecado e imoralidade que cerca o corpo das crianças brancas, podendo deixar o adulto negro um ser humano mais tranqüilo e relaxado em relação ao seu corpo e à sua sexualidade.
Evidentemente que estamos falando do grupo negro em situações específicas, ou seja, naquelas em que ele pode ser tratado, e viver, como ser humano digno e feliz com respeito a sua vida. Infelizmente, não é o que acontece com freqüência, na maioria das grandes cidades de nossa sociedade.

3 Comments:

Blogger jubs said...

Ana Maria Rodrigues, autora deste texto, foi assassinada em novembro de 2005 por dois homens.

12:49 PM  
Anonymous Anônimo said...

sinceramente, todo esse mito em torno da sexualidade da negra só faz prejudicar, fazer com q sejam vistas como vadias. entendo que em tempos de escravidão conquistar pelo sexo era estratégia de sobrevivência... já li sobre costumes de tribos africanas e vi foi muita mutilação, muita ausência de pai...o matriarcado é um siatema de miséria, de fdps, filhos que não sabem quem é opai. nenhum matriarcado foi prá frente. Onde está o pai africano, o homem africano prá botar ordem nessa bagunça. já conheci muitas negras que sequer gozam apenas atemdem aos caprichos dos parceiros, sem sentir nada. meninas negras, estudem....

11:55 AM  
Blogger vanessa said...

gostaria de sugerir a despeito do comentário acima, que pesquisasse um pouco mais sobre Matriarcado, além de lembrar que atualmente a luta social pela igualdade de papéis diz respeito a África como a todos os continentes e, portanto,o homem africano como qualquer outro homem ñ detém o chamaria de " monopólio de ordenamento", mulheres negras de todo o mundo devem ter autonomia suficiente para decidir sobre todo e qualquer aspecto pertinente à sua prÓpria vida, inclusive a forma de vivenciar a sexualidade e fazer escolhas afetivas.
o que chama de mito em torno da sexualidade parece ter afetado a visão de quem escreveu, a tal ponto, que o faz denominar "conquista pelo sexo" entendendo- como estratégia de sobrevivência em tempos de escravidão, o que decididamente nda representa em termos de conquista. é preciso analisar a condição da mulher negra escrava em seu contexto histórico para melhor comprender as razões que a justifiquem, sem essa compreensão qualquer comentário tecido parece infundado quando ñ descabido.
Ademais, finalizo com a mesma proposição mas, dessa feita,ampliando-A a todo e qualquer cidadã@ que deseje CONHECER mais, cumprir a função social de comunicar com propriedade:
"PESSOAS, TODAS, ESTUDEM MAIS, APRENDAM MELHOR!!!"

9:46 AM  

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