2006/03/16

Educa cão

- Onde fica o Caetano de Campos?
- Ah, o colégio? Fica ali do outro lado da praça. É só seguir reto, pela floricultura.
Na medida que nos aproximávamos do “outro lado da praça”, skates cruzavam nossos caminhos, grupos de cinco jovens falavam alto e riam da menina que fingia estar irritada, mas não conseguia conter o próprio sorriso e demonstrava sua suposta ira com uma mochilada no colega, que logo a abraçava, uma senhora saia do supermercado, oculto pela marquise da Praça Roosevelt, e se aproximava da floricultura onde um senhor com cara enrugada pitava seu Derby, atrás dela vinha o moleque com uma garrafa verde de plástico encostada na boca. Cruzamos a praça. Chegando ao outro lado avistamos uma casa antiga, de cor amarela, e muitos grupos de jovens que se cumprimentavam, flertavam e tomavam o rumo de algum lugar que poderia ser sua casa. Aproximamo-nos.
- Olá! A gente está fazendo um trabalho para a escola e precisávamos entrevistar um aluno que tivesse boas histórias com a diretoria e quisesse contá-las.
- Ah! É aqui mesmo!
E caíram na gargalhada, quando logo despontou o G. e já nos levou para um canto, incrivelmente disposto a nos conceder a tal entrevista.
- Tudo bem se a gente gravar o que você vai dizer?
- Beleza!
O rapaz de vinte três anos, então, pôs-se a falar. Ex-aluno do colégio Caetano de Campos, ele deveria ter se formado nesta mesma instituição ao final do ano passado, mas foi retido; estava parado e esperava o próximo ano letivo para concluir o ensino médio. Quem sabe em algum colégio do interior ou lá no Caetano mesmo, onde já conheciam seu histórico e ele não necessitaria de alguém para “limpá-lo”.
Trabalhador no mercado, G. espera conseguir uma vaga de office-boy interno ou externo para ganhar mais e depois estudar odontologia, se não conseguir engrenar na carreira de cantor de pagode, profissão da pessoa que mais admira, o cantor Belo. Mora com a mãe e com a irmã e divide com elas as despesas. Sua irmã, mais velha, estudou no mesmo colégio e sua figura invade algumas histórias que conta sobre a diretoria do Caetano de Campos, bem como sua mãe, algumas vezes requisitada para comparecer na escola pela mesma diretoria.

Entrevistadores – A idéia da entrevista é mais ver o lado dos alunos...
Aluno – É ver o lado dos alunos, né?
E – Porque a gente ouve muito os professores, a gente vai na sala dos professores – não aqui, aqui eu nunca vim, nunca entrei aí, mas eu já fui numas outras – e os professores só ficam falando “porque os alunos..., porque os alunos...”.
A – Não! Se você entrar ali agora eles vão falar: “você vai pra onde?” – “Eu vou fazer uma pesquisa.” – “É, mas é sobre o quê? Deixa eu acompanhar você.” É tipo assim...
E – A idéia era ver o lado dos alunos.
A – Com certeza, tem diretor aí, mano, que se você for conversar com ele sobre esses bagulhos desse dia aí que os caras falaram que eu tinha passado, fui falar com um tal de Álvaro aí, ô mano, o cara tá louco, mano, eu falei: “ei mano, falo com o senhor na educação, o senhor vem com os sete pés pra cima da gente?” – “É, porque você é isso, aquilo e aquilo outro...” Eu falei: “calma aí companheiro! Assim você não resolve, entendeu, precisa ver o que se passa. Agora, você vai falar assim de mim? Eu quero estudar, eu falei pra ele, dá uma chance que é pra mim estudar!” – “Não! Já dei chance demais, já, nenhum professor quer você, nenhum professor agüenta mais você na sala. A única que fala bem é só a professora de inglês, só, o resto ninguém quer mais você na sala.”

Entrevistamos G. por aproximadamente uma hora em frente ao colégio, enquanto o número de jovens ia diminuindo até sobrarmos apenas nós e alguns professores que, agora, deixavam seu serviço para o almoço. Ao final fomos embora e avistamos G. no ponto de ônibus retornando para a Vila, aonde ia se juntar ao pagode naquele dia de folga.


Avancei pela praça um pouco mais triste....e mais piromaníaca.

J.